Sócrates, o médico e jogador que revolucionou o futebol na ditadura
Quando pensamos em grandes jogadores de futebol brasileiros, vêm à mente Pelé, Ronaldo Nazário, Cafu, Roberto Carlos e muitos outros. Todos eles tiveram, sem dúvida, uma enorme influência no futebol atual.
Porém, houve um que revolucionou o esporte: Sócrates. Irmão mais velho de Raí, que brilhou tanto no Brasil como na Europa, na década de 1990, Sócrates é considerado um dos melhores meio-campistas de todos os tempos e um dos líderes de um movimento que mudou para sempre o futebol brasileiro, a “democracia corinthiana”.
O brasileiro, reconhecível pela bandana e pelos longos cabelos cacheados, deixou sua marca na história do futebol por dois motivos. O primeiro, o mais óbvio: seu talento e técnica com a bola. O segundo, seus compromissos políticos em seu clube, Corinthians, com um sistema nunca antes observado no Brasil.
A história de Sócrates começa em 1954, em Belém, capital do estado do Pará. Filho de um apaixonado professor de filosofia grega, leva o nome do pensador do século V. Dois de seus cinco irmãos também são nomeados em homenagem aos filósofos da época: Sófocles e Sóstenes.
Sócrates era um excelente aluno, dotado de uma inteligência rara. O jovem era alerta e curioso e, desde a adolescência, já reclamava dos sistemas políticos e da ditadura exercida no seu país.
Quando se mudou para Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, ingressou na faculdade de medicina. Aos 16 anos, Sócrates estava longe de imaginar uma carreira no futebol. Ele nem sequer havia jogado em um clube, até então.
Lá, ele desenvolveu uma paixão pelo futebol. Porém, por melhor que fosse com a bola, continuava seus estudos na universidade e não conseguia treinar como seus colegas. Apesar das duas atividades, foi brilhante em cada uma delas e ingressou, em 1971, nas categorias de base do Botafogo.
O jovem Sócrates foi visto como um prodígio do futebol. Mesmo muito envolvido na universidade e ausente dos treinos, ele impressionou seus treinadores, nas partidas que disputava.
Em 1974, com apenas 20 anos, foi chamado para o time principal, enquanto continuava os estudos para realizar o sonho de ser médico. Em 1976, o Botafogo conseguiu subir para a Série A, a primeira divisão brasileira. No mesmo ano, no campeonato regional paulista, Sócrates marcou 15 gols e virou o artilheiro do clube, aos 22 anos.
Em 1977, para sua segunda temporada, o jogador continuou sua ascensão e deu a vitória ao Botafogo sobre o prestigiado Santos. Ele tinha apenas 23 anos, na época.
O ano de 1977 foi crucial para o jogador. Após suas excelentes atuações no Botafogo, muitos clubes brasileiros se interessaram pelo jovem meio-campista e Sócrates começou a ganhar alguma notoriedade no Brasil.
Em outubro de 1977, obteve também o doutorado pela prestigiada Universidade de São Paulo (USP).
Em 1978, o clube corinthiano, campeão paulista do ano anterior, ofereceu contrato ao jogador de 24 anos. Desde as primeiras partidas, Sócrates consolidou-se como titular do elenco e ganhou impulso. Em 1979, conquistou o Campeonato Paulista, seu primeiro título importante. Ele também foi selecionado, pela primeira vez, pela seleção nacional.
Até a temporada 1981-1982 tudo correu bem para Corinthians e Sócrates. O meia foi eleito o melhor volante do campeonato em 1980, mas, na temporada seguinte, o time desabou e terminou na 26ª colocação do campeonato nacional, sendo rebaixado para a segunda divisão.
Em 1982, nada ia bem para o clube. Além da corrupção generalizada, da ditadura militar e dos maus resultados, a organização e gestão do Corinthians era péssima e os jogadores estavam em constante conflito por isso. Assim, nesse mesmo ano, Sócrates decidiu revolucionar o modelo de gestão do seu clube.
Ao lado de seus companheiros, notadamente Zé Maria, Wladimir e Walter Casagrande, liderou a “Democracia Corinthiana”, sistema de autogestão do clube por funcionários. Cada decisão ligada à vida do clube deveria ser submetida à votação dos jogadores.
“Queríamos ir além da nossa condição de simples jogadores esforçados para participar plenamente na estratégia global do clube. Isso nos levou a revisar as relações jogador-treinador. Os pontos de interesse coletivo foram objeto de deliberação”, explica Sócrates.
A partir daí, o clube voltou à primeira divisão nacional, após vencer o campeonato da segunda divisão. No final de 1982, chegou até à final do Paulista contra o grande favorito, São Paulo. Graças a duas vitórias, 1 a 0 no jogo de ida e 3 a 1 na volta, o Corinthians foi campeão. Sócrates foi eleito jogador do ano pela revista Placar.
No ano seguinte, o Corinthians repetiu o feito e conseguiu vencer o segundo Paulista consecutivo, na final contra o São Paulo. Não havia dúvida de que a “Democracia Corinthiana” era um sucesso absoluto e os jogadores estavam envolvidos de corpo e alma no projeto.
Politicamente, a mensagem do clube contra a opressão torna-se nacional. Com a palavra “democracia” escrita nas suas camisas, os jogadores opõem-se ao governo, que nada pode fazer contra esta iniciativa. Apelidado de “o médico”, Sócrates tornou-se então uma das faces da luta contra a ditadura no Brasil.
Mais tarde, o jogador confidenciaria: “Éramos uma grande família, com as mulheres e os filhos dos jogadores. Cada partida foi disputada em clima festivo. No terreno, lutamos pela liberdade, para mudar o país. O clima que se criou deu-nos mais confiança para expressar a sua arte.”
Em 1984, Sócrates fez uma promessa ao povo brasileiro: permaneceria no Brasil se o Congresso restabelecesse eleições presidenciais livres. A manobra falha e o jogador é obrigado a partir para a Europa. Na Itália, ingressa na Fiorentina.
A experiência italiana durou dois anos. Com seis gols em 25 partidas, Sócrates não fez uma temporada excepcional e reclamou do campeonato do país: “Os resultados são manipulados, todo o sistema está corrompido. Os jogadores, os árbitros, todos! É uma máfia. Uma máfia muito bem organizada.”
Ele, finalmente, encerrou sua carreira em 1989, aos 35 anos, após marcar 316 gols, incluindo 22 pelo Brasil.
A Canarinha foi eliminada nas quartas de final das Copas do Mundo de 1982 e 1986 e chegou à final da Copa América de 1983. Assim, Sócrates nunca conquistou um título com a Seleção, mas nunca deixou de ser um capitão histórico.
Sócrates morreu no dia 4 de dezembro de 2011, aos 57 anos, mas continua a ser um ídolo e fonte de inspiração para todos os brasileiros e, principalmente, para os corinthianos.